10 de mai. de 2010

Eu sou meu próprio experimento. Eu sou minha própria arte.


Madonna saiu recentemente na capa da revista norte-americana Interview. Ela não está com um álbum de músicas inéditas na praça, nem tampouco lançando um filme, show ou clipe e nem fazendo algo de novo para os consumistas em geral. No entanto, por que Madonna ousou tanto em um ensaio considerado pela crítica e pelos fãs o melhor realizado nos últimos anos sem ter nada de novo a apresentar? Ela chamou a atenção para si apenas com um ensaio fotográfico e uma entrevista (ou bate-papo) com Gus Van Sant que acompanha sem o mesmo brilho ou efeito as imagens pois, embora ela fale dos seus projetos sociais e da sua pretensão com o seu novo filme, se anula qualquer revelação textual frente as belas fotografias realizadas pela dupla de fotógrafos Mert Alas e Marcus Piggott.

O interessante na carreira da Madonna é que ela não precisa brigar pelo seu espaço em qualquer cenário que deseje perpetuar: ela, como sua própria arte, se solidifica, de um jeito ou de outro. Polemizando ou não, o mais interessante é o fato dela ser uma artista pouco compreendida mas, se estudarmos as grandes mentes da nossa história, veremos que estes também foram julgados, marginalizados e até tidos como loucos… tais quais muitos morreram sozinhos ou cometeram o suicídio. A força brutal da Madonna é também algo a se destacar. Enquanto Picasso tinha suas obras para se expressar, ou Andy Warhol tinha a sua genialidade acometida em suas telas e pinturas e até mesmo Hithcock tinha o super-8 para nos revelar as impactantes cenas dos seus pensamentos; Madonna usa ela mesma. Seu nome é sua marca, seu corpo é sua tela. E, incrivelmente, sendo a mais passível de se nulificar, ela emerge sempre como uma fênix e não parece estar disposta a ser consumida por sua própria arte.

Se eu te perguntasse hoje, agora, após ver o novo ensaio da cantora o que o choca mais, qual seria a sua resposta? Sim, pois Madonna está na capa de uma revista, com uma cruz vermelha sobre a sua imagem. Aparece em fotos sensuais, abusando, como sempre o fez em sua carreira, do crucifixo (em sua alegação mais chocante sobre isso, ela diz ‘crucifixos são sexies pois tem um homem pelado neles’); objeto esse usado como um adorno, ancorado próximo aos seus seios fartos, tocando a sua boca, ou preso a sua coxa… mais carnal, impossível. No entanto, volto também a uma questão do começo desse texto… Será que ela não teria realmente nada de novo a apresentar? Será que é só isso? Um ensaio sexy para atender ao apelo da mídia e manter-se contextualizada ao mundo musical pop – cenário em que ela muito se destaca, por mais de 25 anos e que todos esperam a ’saída de cena da rainha’, apresentando-nos, ano após ano, novas princesas que nunca passam disso, eternas princesas… Mas será mesmo que Madonna está preocupada com isso?

É infantil pensar que ainda nos dias atuais, uma obra viva como ela precise de espaço em alguma coisa que faça. Está certo que esse será mais um caso daqueles em que, como os grandes artistas, só ganharam seu reconhecimento na sociedade hipócrita que nunca sai de moda, quando já não faziam mais parte daquela época. É preciso você sair de cena para vir um insosso ditador gritar aos quatro ventos que fulano foi importante e postumizar a relevância da sua obra, tal qual o seu momento da descoberta que sempre esteve ali, mas ninguém queria ver: uma pessoa a frente do nosso tempo. Vamos julgá-la pelo que faz hoje; mas vamos aplaudi-la amanhã, quando tivermos a consciência de que já se foi uma alma visionária, implacável e que lutou (luta) pelas suas adversidades.

Ninguém quer alguém por perto que vá lhe fazer pensar. Que vá lhe dizer “vá, busque seu espaço, busque a sua compreensão. Descubra porque isso tem que ser assim e não de outro jeito. Seja livre, conquiste o mundo! Mas esforce-se por isso, lute por isso. Não será fácil, mas faça!” Será que alguém estaria preparado para isso? Mudar o mundo a sua volta? Transformar as coisas? Dividir suas descobertas? Certamente que não. Por isso, é mais fácil criticar, julgar e achar subversiva a ação de compreensão e afronta alheia. Amanhã, quando o fato estiver culminado, então eu serei o primeiro a aplaudir, pois não precisei fazer nada! Mudança… outra palavra que também começa com a letra “m” e a qual, sinonimamente, muitos não estão preparados para.

Certamente você conhece alguém que vive com uma bíblia (sim, com letra minúscula mesmo!) embaixo dos braços, mas adora julgar e falar dos outros. Ou ainda aquela pessoa que fica reparando que fulana parece promíscua e ser ‘da vida’, mas que casou-se com um homem rico, que poderia lhe dar os luxos necessários: moradia, carro, sustento e, por que não, um filho. Não há muita diferença em se prostituir por dinheiro e abrir as pernas para obtenção de luxos. Mas, vamos esquecer os valores daquilo que acreditamos e partir para a maior das divergências de aprendizado: não julgarás o próximo. Afinal, na mesma bíblia em que lemos isso, também lemos ” Não farás injustiça no juízo; não respeitarás o pobre, nem honrarás o poderoso; com justiça julgarás o teu próximo.” Mas alguém ai lembrou de questionar isso?

E é ai que o brilhantismo da Madonna vem. Lembre-se que, em seu estágio de afronta, Madonna já nos revelou “Tudo que faço, nunca é o que parece ser”. E, certos disso, sempre tentamos entender a sua obra… Quando perguntamos a ela o que significa tal criação, mais esperta do que qualquer um poderia ser, sabendo que o seu maior legado será fazer com que as pessoas busquem a compreensão; ela já diz “É o que cada um interpretar, a seu modo”. Madonna é assim, direta e nos pedindo, a todo momento: “questionem”, “façam com que as coisas aconteçam”…

Sua inquietante busca pelas dúvidas mais simples e que ninguém quer parar para fazer ou responder, nos alerta a todo momento que precisamos fazer algo. Para onde estamos indo? Por que estamos aqui? Quem são os líderes e por quê? E, neste ponto, ela compra uma briga grandiosa a qual ninguém quer se meter: quem foi que deu o direito de fulano se declarar dono da verdade? Quem fala para não julgar, e vive julgando? Quem fala em liberdade de expressão mas vive coibindo a todos com leis subversivas? As respostas, para quem quiser ao menos buscá-las como inspiração, estão em cada álbum, clipe, música, filme, comercial, ensaio fotográfico, show ou qualquer tipo de manifestação realizada pela artista.

Então, eu volto a te perguntar: o que lhe choca mais? Madonna fotografando com um crucifixo ou os padres de nossas igrejas molestando nossas crianças? Madonna com um crucifixo apontando para a sua vagina ou os padres mais interessados nos órgãos genitais dos nossos filhos e sobrinhos? Madonna fumando em uma foto impactante ou os adultos responsáveis pelas crianças em continuarem levando os seus filhos aos padres para que essas crianças satisfaçam os seus prazeres da carne? Ou ainda Madonna com um crucifixo em mãos como se fosse uma arma, ou os pastores ligados a facções criminosas? O que lhe choca mais? Se você deixar de lado a hipocrisia a qual está acostumado e a qual somos doutrinados desde criança, conseguirá responder e sentirá um peso a menos para carregar dentro de você. É hora de dizer chega. Hora de mudar. Hora de questionar, de não ter medo.

Quando houve o primeiro atentado em Londres, deixando em pânico a população local, enquanto os moralistas diziam “não saiam de suas casas ” ou que “está tudo sob controle”, Madonna procurou um diretor amigo (Mary Lambert), pois teve a idéia de protagonizar um clipe com o assunto em questão, em que uma estação de metro seria destruída por uma explosão criminosa. Lambert a criticou, ambos tiveram uma discussão e, desde então, não se falam mais… Mary Lambert a chamou de insensível e a acusou de ir longe demais. Tempos depois, o assunto foi perdendo o fôlego e a população, sem tocar no assunto, voltava as suas pacatas rotinas… Até que o pânico assolou a população novamente com novos atentados e um jovem foi morto por policiais, que acharam que o mesmo estava com uma bomba… quando esse apenas corria para não perder o seu trem.

O que vem ao caso aqui é justamente isso. As pessoas se calam diante dos acontecimentos. Há 2 meses atrás, quando Madonna entrou em estúdio para realizar essa sessão fotográfica com Mert e Marcus, o mundo estava sendo acometido por escândalos na Igreja Católica e em outras congregações também, como as ligações entre pastores e facções criminosas. Padres estavam sendo acusados de molestarem crianças, filmarem atos sexuais abusivos, de roubarem os fiéis e usar o dízimo em benefício próprio ou ainda para prostituição, corromper menores ou tráfico de drogas. Em sua ousadia pouco compreendida, Madonna fez apenas mais um ensaio sexy, com crucifixos… apenas para chocar… Mas as fotos mostram mais que isso.

Todos hoje também a julgam em suas próprias ingenuidades, de que ela está muito careta, fora de moda… Mas, continuamos a viver, ainda, como a dez, vinte, trinta anos atrás. E é isso que ela ressalta nessas fotos. Ela voltou na década de 80, quando a mídia a via como uma expressão cultural e, de forma sábia, usou ícones que a determinaram como uma pessoa rebelde, polêmica, mas que nos fazia pensar, para nos lembrar de que tudo que ela disse ainda está por aí, acontecendo, mas ninguém quer ver ou falar sobre.

O recado é simples. Ela não está usando o crucifixo apenas para reviver sua ‘early era’. Ela está dizendo que não saímos do lugar. Que o que ela ressaltava há quase 30 anos atrás, ainda está acontecendo, por debaixo do nosso nariz. Ainda na década de 80, ela brincou com o símbolo católico que é o casamento. Criticou duramente a igreja por coibir, censurar e querer ditar como as coisas tinham que ser, como se vivêssemos em um mundo sem a AIDS ou outras doenças, em que a igreja determinava (e ainda determina!) que sexo tinha que ser sem camisinha… Talvez hoje saibamos o motivo, o que parece uma preferência dos nossos ditos padres, ao se esfregarem, masturbarem ou se aproveitarem de crianças de 2, 4, 5, 8 anos ou mais… É, eles não devem gostar da borracha atrapalhando o contato físico deles com peles tão puras e jovens…

Já na década de 90, Madonna falava “Todo mundo faz sexo, mas ninguém quer falar sobre isso abertamente. As pessoas estão morrendo em casa sozinhas, de AIDS, porque elas não conversam sobre sexo e seus desejos e vontades”. E há muita coerência nisso. Se muitos falassem de sexo abertamente com seus parceiros, de suas vontades, fantasias e desejos, talvez não houvesse tanta procura por sexo fora do relacionamento. Essa é a compreensão da obra ‘Erotica’ e do Sex Book. Mas, parece que tudo virou uma história de ninar… ficando para outro capítulo pois, mais uma vez, a sociedade preferiu se calar ou encarar a mudança de frente.

A sessão fotográfica da Interview pode nos contar uma história. Em diversos momentos, Madonna aparece como uma imagem respeitosa, uma Deusa, buscando saciar suas vontades e desejos. No entanto, o crucifixo sempre a acompanha nas imagens. Essa seria a crítica do abuso da fé e da religião em discriminar o sexo mas o fazê-lo de forma indecente, imoral e injusta, aliciando menores e corrompendo toda uma geração. Ela posa com uma faca na boca – que também lembra um crucifixo -, nos mostrando que isso é o que os líderes religiosos querem: nos calar e nos ameaçar. Suas imagens sexies, assim como as suas poses e o cigarro, somente exaltam a busca para saciar os prazeres. A mais emblemática das fotos, no entanto, é a em que Madonna segura um crucifixo nas mãos, o repousando sobre seus lábios, como se fosse uma arma. Arma essa usada pela igreja para calar o povo. Arma essa que faz do uso da fé das pessoas, o seu tiro mais certeiro e repugnante para continuarem impunes, os líderes dos crimes. Arma essa, usada por estes criminosos. No final, ela aparece com um traje preto, lembrando a morte… porém, como um sopro de originalidade e, com a força que lhe resta, ela aparece novamente imponente, como um pirata que não abandona o seu navio, fazendo pose de que está pronta para continuar lutando.

A cruz vermelha, na altura dos ombros ou na altura do rosto, como ela se apresenta na capa, significa culturamente que você está pedindo proteção para fechar um ciclo e começar outro. E é disso que estamos precisando. É isso que estamos falando aqui. O bate-papo com Gus Van Sant e que acompanha todo esse contexto fotográfico foi para lembrar que, a visão apequenada que as pessoas tem, podem ser facilmente demonstradas pela incompreensão de cada um em notar que está desatento ao que ocorre a sua volta.

Pessoas a frente do seu tempo são aquelas que acreditam que tudo vai mudar… pois essas não tem medo de mudanças… e sim, aprendem com elas. No entanto, como já dizia outra alma que leu os nossos dias atuais… “Vamos Celebrar A Estupidez Humana. A Estupidez De Todas As Nações”.

Esse texto é dedicado para uma católica em questão, que adora julgar os outros, chamando 
a todos a sua volta de invejosos e referindo-se a Madonna como sapatonna, 
transgressora imoral e aidética. Uma pessoa que se diz católica e seguidora da 
palavra de Deus, mas que se mostra mais perdida do que qualquer um de nós, porém 
sem a humildade de tomar um tapa na cara, e aprender que pode 
mostrar dor ao mundo, mas buscando um bem maior: Cleycianne Ferreira

Eu sou meu próprio experimento. Eu sou minha própria arte.” MADONNA

Estilo Madonna

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